Critérios Éticos e Epistémicos da Ontologia da Complexidade Emergente

A Ontologia da Complexidade Emergente recusa as tradições filosóficas que procuram a validade no absoluto, na transcendência ou na norma. Tanto no plano do saber como no plano da ação, os critérios de legitimidade não são herdados nem deduzidos: são inscritos como efeitos operatórios, produzidos no seio da matéria instável que se reorganiza simbolicamente.

I. Critérios Epistémicos

A epistemologia da corrente não assenta na representação nem na revelação. Não há um “real” exterior a ser descrito, nem uma “verdade” a ser alcançada. O pensamento é gesto funcional simbólico, e os seus critérios são internos ao campo em que opera. O saber vale não porque reflete, mas porque transforma de forma coerente.

1. Coerência Operativa

Um conceito é válido se produz reorganização simbólica consequente. O pensamento deve mostrar-se capaz de criar novas condições de inteligibilidade e operação, mesmo que parciais e instáveis.

A coerência aqui não é lógica formal: é consistência funcional num campo simbólico vivo.

2. Potência de Reorganização Simbólica

A validade emerge da capacidade de um conceito ou gesto filosófico reconfigurar o campo em que atua. Pensar é redistribuir as formas do possível — não é repetir o já sabido com nova linguagem.

A teoria não tem valor por ser verdadeira, mas por ser eficaz como reorganização simbólica do real.

3. Justificação Racional Rigorosa

Cada gesto filosófico exige uma inscrição argumentativa clara. A coerência interna, a articulação das operações e o encadeamento simbólico são condições mínimas de validade.

Não basta intuir ou proclamar: é necessário mostrar como o conceito opera, onde atua e o que transforma.

II. Critérios Éticos

A ética da corrente não deriva de normas universais nem de categorias morais transcendentes. Ela é a inscrição simbólica da relação com o outro como presença material e vulnerável. A ética emerge do encontro, não da regra.

1. A Ética como Resposta à Finitude do Outro

O outro não é um princípio abstrato nem um sujeito jurídico: é a interrupção que reorganiza o meu campo simbólico. A ética não é uma obrigação: é um efeito de inscrição da vulnerabilidade partilhada.

2. Rejeição da Moral Normativa

Não há conjunto de deveres universais aplicáveis a todos os corpos e contextos. O imperativo ético não é universalização, mas atenção concreta ao que reconfigura o comum.

A moral é código; a ética é gesto. A corrente escolhe o gesto.

3. A Escuta como Exposição Ética

Escutar é mais do que acolher: é permitir que algo nos desorganize e nos reinscreva. A escuta aqui não é tolerância — é o risco simbólico de ser reorganizado por aquilo que chega.

A escuta ética é exposição ao outro como limite e possibilidade, sem necessidade de empatia ou identificação.

Conclusão

Na Ontologia da Complexidade Emergente, pensar e agir não exigem fundamentos, nem normas exteriores. Ambos se organizam em torno de critérios imanentes, materiais e operatórios, que exigem:

Epistemologia e ética não são ramos distintos: são efeitos diferentes da mesma reorganização simbólica da matéria.