Ato Ontológico — As Três Tensões Fundadoras da Epistemologia Emergente
O que aqui se designa por Ato Ontológico não é um instante inaugural nem uma afirmação fundacional. É o nome do funcionamento interno da corrente, da sua consistência epistemológica e da sua forma de pensar como reorganização da matéria em instabilidade. Não se trata de um fundamento, mas de uma estrutura tensional ativa que torna possível a inscrição do pensamento enquanto processo material.
Essa estrutura assenta em três tensões fundamentais, não resolúveis, mas operatórias. São elas que permitem que o saber aconteça sem recorrer a uma verdade exterior, a uma forma acabada ou a uma instância transcendente.
1. O Saber Não Exige Fundamento Transcendente
“A razão sabe que existe porque opera — e essa operação é real.”
A primeira tensão afirma que o pensamento não precisa de uma garantia última para ser legítimo. A sua validade não vem da transcendência, mas da sua capacidade de funcionar dentro do real, de produzir reorganização simbólica a partir de condições materiais situadas.
O saber não é uma cópia do mundo, nem um reflexo do absoluto. É operação material inscrita num corpo tenso, resultado de interações, reorganizações e diferenciações.
Esta tensão recusa tanto o relativismo dissolvente como o dogmatismo fundacionalista. A razão não deriva de uma origem, mas de um excesso funcional: ela acontece porque opera, e porque reorganiza.
2. O Saber é Parcial, mas Não Arbitrário
“O saber não fracassa porque é parcial — ele é legítimo precisamente porque não se totaliza.”
A segunda tensão afirma que a parcialidade não é falha, mas condição de produção simbólica situada. O saber vale na sua finitude, na sua articulação local com o corpo e com o mundo.
A totalidade é aqui rejeitada não como impossibilidade técnica, mas como falsa promessa filosófica. Pensar exige limite, fricção e corte, não enciclopédia nem síntese.
O pensamento que pretende dizer tudo nega a emergência. Já o pensamento que reconhece a sua parcialidade cria espaço para a reorganização simbólica — é travessia, e não sistema.
3. Não Há Fora do Real — o Sentido é Imanente
“Não há fora do real. O sentido é o real a pensar-se em si mesmo.”
A terceira tensão dissolve qualquer dualismo entre matéria e sentido, entre corpo e consciência, entre real e simbólico. Não há uma instância exterior que legitime o saber: é o próprio real que se reorganiza simbolicamente a partir de si.
O sentido não vem de um além, mas de uma diferença interna operatória. É o próprio corpo, em estado de instabilidade, que produz inscrição, gesto e pensamento.
Esta tensão recusa a divisão clássica entre natureza e cultura, entre físico e espiritual. O pensamento não é exceção no real — é uma das suas formas mais complexas de autoinscrição.
Conclusão: A Tensão Como Condição, Não Como Obstáculo
Estas três tensões não visam ser resolvidas — são o campo operativo onde o pensamento vive e age. Elas não bloqueiam a epistemologia: elas a tornam possível sem necessidade de fundamento, de totalidade ou de transcendência.
O Ato Ontológico é o nome que damos a este regime tensional onde o saber se inscreve como gesto simbólico material. Um gesto que não busca certezas, mas condições de reorganização operatória.